Por Hugo Cozendey — 1° ano E.M
Pouco se sabe com exatidão sobre o berço de Yasuke. Algumas fontes jesuíticas do século XVI sugerem que ele nasceu na região hoje conhecida como Moçambique ou no reino do Congo, terras integradas às rotas de comércio lusitano na costa africana. Em meados dos anos 1570, foi levado – a negócios ou como servente – ao serviço do padre jesuíta Alessandro Valignano, que então supervisionava as missões na Ásia. A longa viagem por navio, passando por Goa e depois por Malaca, moldou o corpo e a mente de Yasuke para enfrentar extremos climáticos, culturais e linguísticos.
Chegada ao Japão e o Fascínio pela ‘Pele Escura’
Em 1579, o navio europeu aportou em Nagasaki, cidade-porto recém-aberta ao comércio com cristãos. Ao pisar no chão de terra vermelha, Yasuke causou surpresa: sua pele escura era tão incomum para os japoneses que muitos acreditaram se tratar de tinta a óleo. Ele mediria cerca de 1,80 m (altura impressionante para a época) e carregava uma aura de força serena, despertando curiosidade nas ruas e nos templos. Padres e comerciantes apresentaram-no à corte de Oda Nobunaga, que na época buscava aliados e novidades para consolidar seu domínio.
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Nobunaga, nove vezes gravado em cartas jesuíticas como um senhor de guerra visionário e impiedoso, ficou intrigado. Num salão repleto de samurais de armadura lustrosa, Yasuke entrou escoltado por Valignano. Ao ajoelhar-se para a reverência, a quantidade de terra que se levantou ao redor de Yasuke causou espanto: “Como pode alguém tão forte e leve ao mesmo tempo?”, teria refletido Nobunaga. Sem cerimônias, ordenou que lhe arrancassem a camisa para verificar se sua pele era realmente negra, fato confirmado pelo choque de nobres e plebeus.
Reconhecendo em Yasuke não apenas um espetáculo exótico, mas também um guerreiro nato, Nobunaga fez algo inédito: concedeu-lhe o título de samurai. Ele recebeu uma katana sob medida e passou a frequentar sessões de treinamento de arco (kyūdō), manejo de pó de canhão e táticas de cerco. Aprendeu a etiqueta do bushidō – respeito ao código de honra, obediência ao senhor, disciplina extrema. Era raro, até mesmo entre japoneses, que um recém-chegado dominasse tão rápido a cerimônia de corte de cabelo (chonmage) e a apresentação formal de bandeiras de guerra.
No cerco de Kizugawaguchi (1578–1579), importante para garantir o controle das rotas marítimas de Sakai, Yasuke lutou ombro a ombro com samurais veteranos. Relatos falam de sua estatura fendida por golpes de machado e da velocidade com que ele repeliu dois atacantes simultâneos. Além disso, participou de patrulhas de espionagem noturna, onde sua aparência exótica confundia inimigos desprevenidos. Sua lealdade era tão valorizada que Nobunaga o incluía em conselhos de alto nível, confiando-lhe missão de escoltar mensageiros e proteger tesouros de guerra.
Em 1582, a traição de Akechi Mitsuhide levou ao trágico autoimolamento de Nobunaga no templo de Honnō-ji. Yasuke, presente no local, lutou até o fim para abrir caminho entre as chamas, mas poucos samurais escaparam. Após o caos, seu paradeiro se perde nas crônicas oficiais. Algumas versões afirmam que o novo senhor, Toyotomi Hideyoshi, ordenou que ele cortasse o cabelo e voltasse a servir os jesuítas; outras dizem que imperadores locais o empregaram em pequenas fortificações, enquanto alguns relatos – hoje desacreditados – sugerem seu retorno à África.
Séculos depois, Yasuke renasceu em romances, desenhos de mangá e séries de anime. Em 2021, uma produção da Netflix misturou fantasia com fragmentos históricos, reacendendo o interesse mundial. Museus no Japão exibem espadas e armaduras ‘inspiradas’ nele, e estudiosos analisam cartas de Luís Fróis — um missionário contemporâneo — para separar mito de realidade. Em 2023, uma conferência em Kyoto debateu “O Impacto de Estrangeiros na Consolidação do Japão Feudal”, destacando Yasuke como personagem-ponte entre Ásia, África e Europa nascente.
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